Ciclos menstruais - ancestralidade, emancipação e sustentabilidade dos corpos femininos
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Ciclos menstruais - ancestralidade, emancipação e sustentabilidade dos corpos femininos

Autores: Núcleo Divulgação Científica Ambiafro 

Quando estudamos sobre sistema reprodutor em sala de aula, em tempos de ensino fundamental e médio, pouco se fala da criação de uma relação íntima que somos capazes de desenvolver entre o nosso corpo feminino e os devidos cuidados que devemos destinar à morada sagrada. Ao longo dos anos, os avanços tecnológicos e da medicina, fizeram do corpo/útero feminino um complexo e delicado lugar de experimentações que rodeia a vida feminina até os tempos atuais. É de suma importância ressaltar que a emancipação dos corpos, gênero e ainda os movimentos que lutaram pela liberdade e expressão das mulheres, foram relevantes para que nós iniciássemos uma discussão acerca de todos os efeitos negativos que a intensa utilização tanto de medicamentos mas também o uso de absorvente descartáveis podem causar ao corpo. 

 

Resgate do intenso e verdadeiro saber 

De acordo com a filosofia africana, a ancestralidade é feminina, uma vez que o corpo deve ser o equilíbrio e harmonia das energias femininas e masculinas, no qual a energia feminina é quem contempla a existência, que cria, gera e cocria. Segundo Adilbênia Freire Machado. Em seu texto de título “Filosofia Africana e Saberes Ancestrais Femininos: útero do mundo” (2020), a autora ainda ressalta que o feminino é o útero do mundo, potência de vida, coletiva, que carrega toda uma ancestralidade que nos permite ser, existir, resistir, re-existir, devido a isso somos ancestrais, juntamente de nossos corpos. A ancestralidade é a natureza. 

Em tribos indígenas, a relação íntima entre matriarcas e meninas que têm a chegada de sua primeira menstruação, chamada de menarca, é marcada pelo acolhimento e ensinamento com as mulheres ancestrais desses grupos tradicionais, mães e avós principalmente. A primeira menstruação da mulher dos povos Ticuna, que compõem um dos maiores grupos indígenas do Brasil, é marcada por um complexo ritual ancestral e tradicional que dura três (3) dias. Para o povo indígena Paiter Suruí, localizados entre Rondônia e Mato Grosso, o recolhimento, na primeira menstruação, serve como rito de passagem que se estende por seis (6) meses – nesse período a menina fica sob os cuidados da avó e da mãe, aprendem tecer algodão e se prepara para a vida adulta. 

 

Os rituais se perderam ou foram esquecidos? 

Uma combinação de tecnologia, facilitação do não rastreio do lixo médico e uma justificativa no design, tornou os produtos sanitários cheios de plástico, incluindo assim os absorventes femininos. 

Na década de 20 absorventes internos com base de papelão eram muito bem utilizados e aceitos pela população feminina. Outros produtos como absorventes com base de tecido e presos em um cinturão junto a peça íntima eram muito utilizados pelas mulheres. Uma importante colocação deve ser considerada, exaltada e relembrada, é a contribuição de Mary Beatrice, afro-americana que desenvolveu os cinturões que eram utilizados pelas mulheres naqueles tempos, uma vez que Beatrice teve sua história apagada e esquecida devido ao racismo. 

Outro ponto importante e crítico que deve ser destacado, é que se pararmos para pensar as características físicas e de gênero dos pesquisadores que foram responsáveis pelo desenvolvimento dos produtos absorventes de modo geral na década de 60, a maioria era representada por homens brancos que não sabiam exatamente a condição feminina e desconforto do qual essas mulheres enfrentavam durante seu período menstrual. A falta de tecnologia que fossem consideradas práticas e não descartáveis para uso do dia a dia e devido o avanço dos estudos de desenvolvimento do plástico, os absorventes foram adaptados com uma cobertura completamente plástica que garantia uma maior absorção do fluxo menstrual e com isso ganhou espaço no mercado e nas prateleiras das farmacêuticas mundialmente, tendo importantes marcas que foram líderes em seu desenvolvimento. 

Se pararmos para pensar exatamente o tempo em que utilizamos um absorvente plástico para conter o fluxo menstrual, podemos dizer que o seu uso é muito breve comparado com o tempo que o mesmo demora para desaparecer na natureza. Estima-se que o plástico demora em média 450 anos para desaparecer na natureza, com isso a sua degradação pode passar por diferentes estágios até chegar a pequenas dimensões que a ciência classifica de microplástico, uma vez que este mesmo, causa problemas em escalas ecológicas dentro do ecossistema. Uma mulher pode ter ciclos menstruais por cerca de 40 anos e se estimarmos esse mesmo tempo com relação ao uso de absorventes descartáveis equivale ao uso de 16 mil absorventes descartáveis ao longo da vida e em gastos equivale a 10 mil reais durante todo esse tempo.

 

Alternativas sustentáveis 

Alergias e infecções são alguns dos problemas que podemos destacar pelo uso intenso de absorventes, sem contar com o impacto ambiental que o mesmo gera, como já destacado anteriormente. Sendo assim, o mercado atual tem se reinventado com relação ao uso de absorventes sustentáveis e reutilizáveis, ou seja, que causam menos danos ao meio ambiente e podem ser reaproveitados a cada ciclo. Essas alternativas envolvem os absorventes de pano, coletor menstrual de silicone para uso interno e ainda calcinhas absorventes, uma vez que os mesmo vem ganhando muito espaço no mercado e nos corpos femininos. 

Pensar nessas alternativas como uso em nosso ciclo, não envolve apenas a discussão de sua contribuição para o meio ambiente mas até mesmo um resgate de uma relação mais íntima que construímos com o nosso corpo durante esse período, podendo observar melhor o fluxo sanguíneo juntamente da cor do fluído que podem indicar estágios de saúde do período menstrual e até mesmo um maior conforto comparado aos absorventes tradicionais. 

Apesar do avanço com relação à conscientização do uso de absorventes reutilizáveis, é de grande importância destacar aqui que muitas mulheres, principalmente mulheres negras e não brancas, não possuem essa relação íntima com o corpo e possibilidade de acessar o selo sustentável construído pela sociedade feminina atual. Mulheres negras são a grande maioria na periferia e nas ruas, são fortes os atravessamentos que percorrem esses corpos, sendo necessário um olhar mais sensível para esta parcela da população como foco de local para o desenvolvimento de conversas e conscientização acerca da higiene feminina. Sendo que alternativas de geração de renda e inclusão dessas mulheres em cadeias de produção dos absorventes sustentáveis podem ser um importante caminho para a construção do resgate de pertencimento e autonomia de seus corpos, incluindo a sua participação ativa na economia. 

 

Referências 

  1. Filosofia Africana e Saberes Ancestrais Femininos: útero do mundo
  2. Absorvente descartável: história, impactos ambientais e alternativas
  3. Como os absorventes tornaram-se tão insustentáveis
  4. Mary Kenner
  5. Belts to hold menstrual pads
  6. #NósTestamos | Menstruação
  7. História Ancestral
4 comentários
  • Muito boa a analise, especialmente por fazer o recorte de raça. A conversa sobre absorventes reutilizáveis não deveria ficar restrita a um pequeno grupo de mulheres, senão, qual é o sentido, né?

    Heloiza Camargo em
  • Esse texto é rico e contempla questões necessárias a se discutir. A simplicidade da natureza nos ensina tudo, mas infelizmente nem sempre escutamos e/ou enxergamos.
    E que nós, com a acesso a conhecimento possamos resgatar nossa ancestralidade e seguir nossa natureza. Começar usando opções mais sustentáveis já é o primeiro passo. Obrigada equipe Ambiafro.

    Mariana em
  • Parabéns pelo texto. Muito pertinente.

    Iamara em
  • Na minha época ainda se usava os panos como absorventes e eram reutilizaveis mas não fomos educados nem orientados em relação ao impacto ambiental optando com isso por absorventes industriais por sentir “nojo” do nosso próprio corpo. Muito pertinente a dissertação em relação ao histórico e incentivo à volta dos absorventes sustentáveis.

    Márcia Regina Nascimento Lyrio em

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