Afinal de contas, a África é um país?
em Blog

Afinal de contas, a África é um país?

Não, a África não é um país — e sim um continente. E, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não é uma região homogênea habitada por um único povo.

________________________________________________________________________________________________________

Essa pode parecer uma pergunta óbvia. Mas não é. E as pesquisas do Google comprovam isso: por mês, mais de 5 mil pessoas buscam a resposta para essa pergunta na internet. 

Então, para começar: não, a África não é um país e sim um continente com mais de 50 países. É o terceiro maior continente do mundo e um dos mais populosos

Mas essa pergunta nos leva a outras duas: o quanto nós sabemos sobre a África? Qual é o nosso interesse por esse continente? 

É provável que, quando pensem em África, muitas pessoas pensem em uma única imagem: um território marcado por guerras, pobreza, ditaduras e fome.

Não é por menos. A responsabilidade por essa “história única” pode ser atribuída (quase exclusivamente) ao colonialismo. É o resultado material e imaterial de quatro séculos de violenta tentativa de dominação econômica, epistemológica e cultural. 

E, de fato, nos quatro cantos do Brasil (e da Europa e dos Estados Unidos também) existe uma tendência em falar da África como se todas as pessoas que lá vivem tivessem a mesma cultura e as mesmas tradições. 

Mas ele está longe de ser homogêneo. A África é uma das regiões mais diversas do mundo, tanto em questões culturais, religiosas e étnicas, quanto na perspectiva climática e geográfica.

E o pior dessa história é que ela desconsidera as boas perspectivas do continente africano: o crescimento econômico, as democracias emergentes, as tecnologias, a moda, a cultura, o cinema, a literatura, as inovações e essa lista não tem fim. 

Pensando nisso tudo, a ideia deste artigo é trazer algumas perspectivas gerais sobre o continente africano (que são aquelas histórias que eles não nos contaram, sabe?), com a expectativa de que, a partir disso, você se inspire a conhecer mais e mais. Bora? :) 

A África não é um país — e sim um continente

A África não é um país, mas um continente que compreende 54 países e 7 territórios independentes. 

Os países africanos se dividem em duas regiões principais: o Norte da África e a África Subsaariana. Ao mesmo tempo, se distribuem em 5 áreas: 

  • Central
  • Meridional
  • Setentrional
  • Ocidental
  • Oriental

Atualmente, a população da África já ultrapassa um bilhão de pessoas — o que faz com que alcance a marca de segundo continente mais populoso. 

Mas, em razão das condições climáticas e geográficas, a distribuição da população não é igual em todo território. 

Além do mais, existem milhares de idiomas africanos, além das línguas trazidas pelos colonizadores — como francês, português e inglês. 

As regiões da África

Uma forma de conhecer um pouco mais do continente africano é a partir das características gerais de cada uma de suas regiões.

Eu sei que esse papo é um pouco aula de geografia. Mas é, ao mesmo tempo, uma forma de se situar melhor diante de tantos países e suas respectivas particularidades.

Por isso, é tão importante entender esse panorama geral. Vale a pena. 

África Setentrional 

A África Setentrional (ou Norte da África) é a região que compreende Argélia, Egito, Sudão, Marrocos, Líbia e Tunísia. O idioma predominante é o árabe e o islamismo como religião. 

É uma área que se localiza perto do Mar Mediterrâneo e abriga o segundo maior deserto do mundo, o deserto do Saara (que tem, aproximadamente, 9 milhões de km² de extensão). 

É uma região com grande concentração de exploração de minérios para exportação, com pouco desenvolvimento da agropecuária. Apenas no Vale do Rio Nilo é que a agricultura se desenvolve, em razão da fertilidade do solo. 

África Meridional

A região da África Meridional (ou Austral) fica na parte sul do continente. Assim, compreende os países da África do Sul, Zimbábue e Botsuana. 

A partir da sua localização geográfica, a área é banhada a leste pelo Oceano Índico e a oeste pelo Oceano Atlântico.

Além disso, é uma região de planaltos, clima tropical, desértico e mediterrâneo e vegetação de savanas e florestas. 

África Central

Como o próprio nome sugere, a África Central está no centro do continente africano. Nessa área estão países como República do Congo, Angola, Camarões e Chade. 

Diferente das outras regiões, a África Central não é um agrupamento que leva em consideração as similaridades históricas, políticas ou econômicas entre os países.

Trata-se simplesmente de agrupar países que estão no centro do continente. Ou seja, é um critério exclusivamente geográfico.

Por falar em geografia, a área é banhada a oeste pelo Oceano Atlântico e faz fronteira com regiões montanhosas a leste. O clima é predominantemente tropical, com altas temperaturas e muita umidade e vegetação de savanas. 

África Oriental

A África Oriental se refere à área leste da África — entre a bacia hidrográfica do Congo e o Oceano Índico. 

Alguns países que integram essa área são: Quênia, Somália, Zimbábue, Etiópia, Ruanda, Madagascar, Tanzânia, Uganda e Moçambique. 

É uma região com formações montanhosas, vulcões e grandes lagos. O clima é predominantemente tropical e a vegetação é equatoriais, savanas e estepes. 

A economia da área se baseia na agricultura, especialmente com o cultivo de café e algodão. 

África Ocidental

A África Ocidental se localiza entre o deserto do Saara e o Golfo da Guiné. É uma região que compreende países como Cabo Verde, Costa do Marfim, Gabão, Gana, Guiné, Libéria, Mali, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, São Tomé e Príncipe e Togo. 

A população se concentra especialmente na região sul, já que o deserto do Saara não tem condições atrativas para habitar. A atividade de destaque também é a agricultura, especialmente com o cultivo de banana, cacau e cana-de-açúcar. 

Quais países da África falam português? 

Além de Brasil e Portugal, outros nove países falam a língua portuguesa – que, inclusive, é o quinto idioma mais falado no mundo. 

Desses outros nove países que falam português, seis estão no continente africano. São eles: 

  • Angola
  • Cabo Verde
  • Guiné-Bissau
  • Guiné-Equatorial
  • Moçambique
  • São Tomé e Príncipe

Boas perspectivas sobre a África — o outro lado da história que nos contam

Em contraponto àquela imagem estereotipada de violência e pobreza, as pessoas ficam surpresas ao saber que:

  • Ruanda é um exemplo de igualdade de gênero no ambiente político 
  • Nigéria abriga a segunda maior indústria de cinema do mundo
  • A economia da Etiópia cresce mais do que a economia da China

Essa lista não é finita não, viu? E ela nos mostra principalmente uma coisa: sim, existe pobreza e violência no continente africano. Mas essa não é a única história que os povos africanos contam. 

Afinal de contas, todas as histórias e culturas compreendem histórias sobrepostas. Só que, se ouvirmos apenas um lado da história, corremos o risco de cometer um erro crítico. 

Sobre esse assunto, vou deixar a ideia de um vídeo da escritora nigeriana, Chimamanda Ngozi, que fala especialmente sobre esse risco — tal qual ela explica em seu livro “O perigo de uma história única”: 

A igualdade de gênero em Ruanda

Em 1994, a Ruanda sofreu um genocídio. No total, 800 mil pessoas – na maioria, homens, morreram em apenas 100 dias. 

Depois disso, o país passou por grandes mudanças em sua estrutura social. As mulheres, que representavam 70% da população, passaram a ocupar cargos que antes pertenciam apenas aos homens e participaram ativamente na reconstrução do país. 

 “O genocídio acabou sendo o principal fator dessa mudança. A maioria dos mortos foram homens tutsis e hutus moderados. Os homens hutus que participaram do genocídio ou fugiram do país ou foram presos, e as mulheres que sobreviveram precisaram assumir funções que eram tradicionalmente masculinas” — explicou Camila Soares Lippi, professora de Relações Internacionais da UNIFAP. 

De lá para cá, o país passou a colecionar uma série de índices de igualdade de gênero, que colocam Ruana ao lado de países desenvolvidos, como Finlândia, Noruega e Suécia. 

Assim, segundo a última pesquisa do Fórum Econômico Mundial, Ruanda é o sexto país do mundo com maior igualdade entre homens e mulheres.

(Só para ter uma ideia, nesse índice, os Estados Unidos ocupam a 51ª posição e o Brasil a 95ª).

Esse relatório considera os níveis de igualdade de gênero a partir de quatro perspectivas: saúde, educação, economia e política. 

Além do mais, 67% dos cargos políticos do Parlamento de Ruanda são ocupados por mulheres. Isso faz com que o país tenha a maior participação de mulheres no legislativo no mundo. 

Ainda, a legislação do país teve que se adequar à nova realidade. Um dos primeiros passos nesse sentido foi a permissão para que mulheres pudessem herdar terras de seus maridos. 

Em 2023, o país também aprovou uma nova Constituição. O novo texto estabelece a igualdade entre homens e mulheres na educação, na posse de terras e na economia, além de estabelecer que, pelo menos, 30% dos cargos políticos sejam preenchidos por mulheres. 

Nollywood: a indústria cinematográfica da Nigéria

Nollywood, a indústria cinematográfica da Nigéria, é a segunda maior no mundo. Com mais de 1,5 mil títulos por ano, eles só ficam atrás da indiana Bollywood em número de produções. 

Um ponto importante é que é um cinema autossuficiente. Ou seja, não precisa de subsídios do governo para se sustentar. 

Em geral, o sucesso do cinema nigeriano é resultado de uma mistura de fatores: além de gêneros populares (como a tradição do teatro itinerante iorubá), os filmes compreendem histórias urbanas de romance, riqueza e bruxaria. 

Mas Nollywood vai além de ser uma produtora de filmes em quantidade. Eles também conseguiram cair no gosto da população nigeriana, que assiste aos filmes nacionais com frequência — diferente, inclusive, de como acontece na indústria do Brasil. 

Algumas produções têm alcançado sucesso internacional, como Lionheart (2018), que permaneceu durante alguns meses como o filme mais bem avaliado pela Netflix.

Além disso, a indústria cinematográfica é a segunda maior geradora de empregos no país, ficando atrás apenas da indústria de petróleo. 

Outros títulos relevantes são:

  • The Amazin Grace (que alcançou mais de 25 mil espectadores);
  • A estrada nunca percorrida (2015); 
  • Cinquentonas (2015);
  • Na batida de Lara (2018);
  • O casamento de Nicole (2016);
  • Sin City (2019); 
  • Por uma vida melhor (2020). 

A economia da Etiópia que pode ser comparada à China

O Produto Interno Bruto (PIB) da Etiópia foi de US$ 222,3 bilhões em 2018 — abaixo dos indicadores da África do Sul, da Nigéria e do Egito. No entanto, o país tem a economia que mais cresce ao longo dos anos 2000. 

E esses parâmetros não se limitam ao continente africano. A Etiópia apresentou uma das expansões mais rápidas do mundo — em uma média anual superior a 7,5% nas duas últimas décadas. 

Por esse motivo, recebeu o apelido de “China da África”. E não é por menos. A comparação da Etiópia com a China não se dá apenas pelo alto crescimento econômico. Os dois países também se assemelham na longa história que cultivam. 

E mais do que isso, a história da China e da Etiópia também se cruzam na contemporaneidade, já que existem alguns investimentos chineses incentivando o crescimento etíope. 

Como conhecer a realidade dos países africanos?

Para conhecer, de fato, a realidade dos países africanos e compreender suas formas de vida, nada melhor do que ouvir e ler suas próprias experiências. 

Então, para compreender o continente africano além dos estereótipos, é fundamental ler pessoas autoras africanas e assistir aos filmes produzidos lá.

Para te ajudar a começar, aqui vai uma lista de pessoas autoras africanas — conforme sugestão de Nei Lopes e Luiz Antônio Simas, no livro “filosofias africanas”:

  • Achille Mbembe
  • Ama Mazama
  • Carlos Moore
  • Cheikh Anta Diop
  • Frantz Fanon
  • Henry Odera Oruka
  • Maulana Karenga
  • Mekada Graham
  • Molefi Kete Asante
  • Muniz Sodré
  • Reiland Rabaka

Mais do que isso, é importante ouvir lados diferentes das histórias que contam como, por exemplo, conhecer a perspectiva de pessoas ascendentes de pessoas escravizadas que, até hoje, sofrem os efeitos da diáspora africana e da escravidão.  

Como Caetano Galindo ensina, “às vezes não se trata de usar os aparelhos que temos para enxergar mais longe, e sim de perceber que é preciso trocar de aparelhos para ver o que já estava diante dos nossos olhos”. 

Além disso, você pode acessar portais de notícias não ocidentais, investigar contextos das cenas que são representadas em vídeos ou fotos nas redes sociais, estudar sobre as guerras dos países (e os outros países que injetam dinheiro nessas guerras) e por aí vai.

E agora, me conta: o que você conhece do continente africano? 

Deixe um comentário

*Observe que os comentários precisam ser aprovados antes de serem publicados